Sua irmã falou: olhe para os lados!
Ora, como assim? Tudo que a garota fazia era observar, cá e lá, tudo que a cercava. Ela só podia estar brincando. Mas ela abriu, então, os olhos para todas as direções. E, de repente, ela o viu. O tal garoto apareceu. Não era um desconhecido: ela já sabia seu nome e ele o dela. Sabiam essas ou aquelas informações sobre o outro. Mas ali, naquele momento, ela o viu. Ou melhor, o sentiu. Pode olhar em seus olhos, como nunca tinha feito antes. Olhar triste, de fato, que a permitiram fazer a opção mais delicada: ela ofertou seus ombros para carregar suas dores. Achou, assim, um caminho para fazer bem ao garoto, sem se dar conta que, a cada dia, via sua força se esvair junto com um medo real: ela também é uma garota.
Uma garota com coração aos cacos. Todo remendado. Costurado com promessas, mentiras, lágrimas e uma boa dose de esperança absurda para ser feliz. A garota se cuidou, se guardou, se protegeu como pode durante dois longos anos. Ela tinha jurado para si mesma que nunca mais esperaria por homem algum. Nem ofertaria o melhor dela para um garoto que, a qualquer momento, outra vez, poderia seguir correndo para os braços de um outro alguém. Até ele aparecer.
E logo ela - a garota que só queria andar de mãos dadas - teve medo de entregar suas mãos para aquele garoto. Como suportaria os freios impostos para não tocar, acariciar, beijar subitamente quando fruto de desejo? Como ira conter a vontade de ligar, de conversar a todo tempo sobre os causos de sua rotina? Como não mostraria para todo mundo o que sentia?
Ela era intensa. Sim. Plenamente entregue ao que se permitiu sentir desde que seus olhos fisgaram o garoto. Mas de nada iria valer se ele não estivesse entregue, de coração, para viver isso também.
Eles não tiveram nada o que devolver um para o outro, mas tinham tanto ainda para mostrar entre eles! Ficaram algumas histórias na gaveta. Alguns olhares e palavras soltas no canto do quarto. Ficou o gosto que poderia ter tido. O toque que não foi dado. A música que marcou o encontro que não aconteceu. Ficou o primeiro abraço que tiveram, repetindo e repetindo, na lembrança esfumaçada pela decisão: ela se foi.
E, para ela, decidir seguir sem ele, sem sequer ter dado tempo daquela história ter ainda alguns sorrisos estampados em fotos, ou terem dançado na chuva, se beijado cheios de saudade num encontro inusitado no meio da tarde, foi muito difícil. Mas ela sabia exatamente onde estava pisando e aqueles passos, certamente, não a levariam para uma trilha segura, sem antes a garota passear por tortuosos dias nublados e cinzas.
Justo ela, a garota de cores infinitas de amor, que sonhava em ser, um dia, uma mulher de verdade.
“E eu só peço a Deus um pouco de malandragem...”
(Cássia Eller)