"Que amor era esse? Que não saiu do chão? Não saiu do lugar... Só fez rastejar o coração."
(Tententender - Pouca Vogal)
Eu sempre tive pés que teimavam em sair do chão. Quando menos esperava, lá estavam eles, sempre contradizendo a minha vontade: indo mais adiante, mais velozes, mais alto... Eram eles, os benditos pés, que me levavam para o encontro de várias histórias.
Ah, se eu soubesse! Naquela tarde, meus pés me guiaram debaixo de um sol a pino. Meu sorriso era tenro. Meu olhar esperançoso. E meus pés, teimosos. Me fizeram caminhar, sozinha, pela cidade de céu absurdamente envolvente.
Se eu soubesse que seria ali, o local de partida para que meus passos começassem a seguir em sua direção. Seguir seu cheiro. Seguir você. A qualquer custo, a qualquer hora.
Sem perceber, meus pés fincaram lugar na fila daquele festival, como se te esperassem. Em minha frente, lá estava o momento em que meus pés entregaram a missão. O coração te reconheceu e te acolheu imediatamente. Os meus olhos se apressaram em fisgá-lo e fotografá-lo como se já soubessem que era preciso gravar seu rosto para jamais esquecê-lo.
Mas você não me viu. Você não notou o quão afoita fiquei ao encontrá-lo. Você não viu que ali, naquele momento, eu já te amei. Mesmo sem saber, eu aceitei você. Aceitei todos seus medos, suas dúvidas, seu sorriso, seu olhar. Eu te amei antes mesmo de saber seu nome. Mas você não viu, não me ouviu e não soube.
Não soube também do dia seguinte, quando te achei em meio à multidão. Senti seu cheiro, seu gosto, seu corpo. Nossa segunda coincidência em forma de encontro. Você, enfim, me viu. Mas seus pés continuaram presos ao chão, enquanto os meus te cercavam e ficavam de prontidão, esperando o comando para que dos meus lábios saíssem as juras do meu mais belo amor. Balbuciei, mas você não viu, não me ouviu e não soube.
Não soube que o tempo passou sem levar minha esperança de revê-lo por aí, trazido pelo vento, pra pertinho de mim. Não soube quando dei início à saga virtual, que procurava o amor e, sem querer, te encontrou. Acho que você nem me reconheceu. E você não viu, não me ouviu e não soube.
E não soube que daquele terceiro encontro, na frente do portão verde, eu te esperava aflita. Ali, meu amor por ti, me consumia e se confundia com a ansiedade boba de poder tocar em ti pela primeira vez. Tocar meu amor, antes tão abstrato, agora tão perto, tão meu. Se no contar dessa história é possível revelar algum segredo, eu digo: você não soube, mas naquele exato momento você se encontrou com a menina mais feliz do mundo.
Dos nossos beijos, ficou o doce. Do cheiro, você em frascos. Nossas mãos dadas emolduraram-se em paredes nuas. Dois corpos de medidas exatas para caberem nos sonhos de bolso. Com você aprendi a sorrir, a conversar, a dirigir, a correr, a respirar, a olhar em frente, a não desistir... Por você eu ignorei minhas dores e abri meus braços, meu peito, meu coração. Deixei a chave sempre na porta para que você pudesse ir e voltar quando quisesse. Sem perceber que, aos poucos, você ia de vez. E iria sem perceber todo amor que transbordava em meu peito.
Ah, se eu soubesse! Se eu pudesse imaginar aquela sua ida repentina ao meu encontro, naquele fim de tarde, pra se despedir. Se eu soubesse que seria a última vez que nossos olhos se cruzariam de maneira tão direta. E que o abraço se eternezaria naquele toque trêmulo, que dava vida ao medo de perdê-lo pra sempre.
Você se foi e levou consigo os meus sonhos mais bonitos. E me largou em quase dois anos de noites frias e tristes. Deixou apenas a esperança teimosa, que me fazia esperá-lo voltar, com aquele olhar maroto, vindo pra mim. Só pra mim.
Mas você, tão longe, não viu, não me ouviu e não soube. Não soube o quanto eu me dediquei em deixar sua lembrança sempre viva, sempre quente. Nem viu as tantas pessoas que aprenderam a gostar de ti, do tanto que falava do meu amor.
E você... Tarde... Bem tarde... Voltou! Mas não fazia mal. Eu fiquei acordada pra te esperar. Eu juntei meus pés, minhas forças, meus medos e senti quando você pousou em solo conhecido, em sua terra amada.
Contei até três. E nada. Contei um pouco mais. E nada. Procurei-o em meio ao vazio e encontrei frases soltas, desconexas, que já não me diziam o que eu queria ouvir. Pelo contrário. Só me traziam a incerteza de um amor.
E você não soube das lágrimas mais tristes que chorei.Você não me ouviu implorar baixinho, pedindo forças aos céus. Você não me viu levantar daquele chão e encarar a realidade de ter esperado em vão. Não me viu com um amor, em retalhos, nas mãos.
E você nunca mais me viu.
E nunca vai saber...
Que o amor que um dia existiu, se partiu e ficou ali. Largado ao chão.
Bem pertinho dos meus pés.
Daqueles mesmos pés teimosos, que logo irão mais adiante, mais velozes, mais alto.
Rumo a um novo amor...
E que ele, enfim, me veja.
E saiba me fazer feliz!