quinta-feira, 20 de maio de 2010


"Já que não tinha sono, foi à cozinha esquentar o café. Pôs açúcar demais na xícara e o café ficou horrível. Isto levou-a a uma realidade mais cotidiana. Descansou um pouco de ser. Ouvia o barulho das ondas do mar de Ipanema se quebrando na praia. Era uma noite diferente, porque enquanto Lóri pensava e duvidava, os outros estavam dormindo. Foi à janela, olhou a rua com seus raros postes de iluminação e o cheiro mais forte do mar. Estava escuro para Lóri. Tão escuro. Pensou em diversas coisas: estavam dormindo ou se divertindo. Algumas estavam tomando uísque. Seu café então se transformou em mais adocicado ainda, em mais impossível ainda. E a escuridão dos solitários se tornou tão maior. Estava caindo numa tristeza sem dor. Não era mau. Fazia parte, com certeza. No dia seguinte provavelmente teria alguma alegria, também sem grandes êxtases, só um pouco de alegria, e isto também não será mau. Era assim que ela tentava compactuar com a mediocridade de viver."


Trecho do livro “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres” – Clarice Lispector

2 comentários:

Unknown disse...

Seus olhos abertos e diamantes. Nos telhados os pardais secos. "Eu vos amo, pessoas", era frase impossível. A humanidade lhe era como morte eterna que no entanto não tivesse o alívio de enfim morrer.

Clarice é a melhor do universo.

Anônimo disse...

ah, a solidão... " a solidão é fera , a solidão devora, é amiga das horas, prima irmã do tempo..."

obrigado por lembrar a Clarice, sempre tão direta com tanta delicadeza!
Beijos,
Ana Cau